Autossabotagem: o problema do limite máximo (PLM)
Um modelo para compreender como a autossabotagem funciona baseado no livro "The Big Leap", de Gay Hendricks
Você já teve algum momento na vida em que pensou que poderia estar se autossabotando? Ou que alguém tenha sugerido que algum comportamento, atitude ou perspectiva sua tivessem se originado por autossabotagem? Pois é. E aí, o que você fez com isso? Pensar que isso poderia ser verdade ajudou de alguma forma?
Recentemente, minha terapeuta sugeriu que determinados pensamentos que eu estava tendo poderiam ser autossabotagem. E aí eu comecei a me perguntar: afinal de contas, o que seria “autossabotagem”? Como e porquê fazemos isso? Quais são os mecanismos, as motivações, e como fazer para impedir que isso aconteça ou, pelo menos, minimizar o seu impacto na nossa vida?
Foi assim que cheguei no livro “The Big Leap”, de Gay Hendricks. No livro, o autor apresenta uma analogia para compreendermos o conceito de autossabotagem, e um modelo para compreendermos mecanismos de autossabotagem, formas típicas de manifestação, e ideias de como vencermos a luta contra esses mecanismos.
E como estou querendo escrever por aqui, decidi compartilhar o que aprendi sobre autossabotagem (o termostato em nossa mente), os gatilhos ou as barreiras ocultas do Problema do Limite Máximo (Upper Limit Problem) e suas formas típicas de manifestação, segundo esse autor que gostei bastante.
O que é autossabotagem: o termostato em nossa mente
O termostato é aquele dispositivo responsável por controlar o acionamento de circuitos e componentes que podem aumentar ou diminuir a temperatura de determinado ambiente, para que a temperatura se mantenha dentro de uma faixa desejada.
Dentro de uma sanduicheira, por exemplo, tem um termostato que desliga a resistência que aquece a chapa quando atinge uma temperatura “muito quente”, e que liga novamente para que quando a temperatura estiver muito baixa, para que mantenha a chapa sempre quente, mas sem ultrapassar o limite estabelecido.
O que o Gay Hendricks diz é que temos o mesmo tipo de mecanismo na nossa mente: nós temos um certo limite para o quanto estamos “ajustados” ou “configurados” para nos sentirmos felizes, abundantes e satisfeitos com nós mesmos. Por isso, quando percebemos que estamos sentindo muitas dessas emoções positivas, tendemos a encontrar motivos para que não devêssemos senti-las.
E isso é o que chamamos de autossabotagem. Veja abaixo as definições que o dicionário OxfordLanguages (fornecedor de verbetes do Google), exibe para o verbo “sabotar”:
A ideia aqui é revisitar o contexto e pegar trechos chave como: “danificar propositada e criminosamente […] para impedir, retardar ou interromper seu funcionamento”, “prejudicar de forma oculta e insidiosa, minar”. Para refletirmos que, se nos autossabotamos, significa que a gente está tomando atitudes com propósito de nos impedir, de nos retardar, interromper nosso funcionamento, nos prejudicar “de forma oculta” (quanto menos percebermos que estamos fazendo isso, melhor!).
E o Gay Hendricks apresenta isso sob essa analogia do termostato, indicando que nós temos um Problema do Limite Máximo (ou Superior), que é um limite máximo configurado em nosso acionador mental de sentimentos positivos e negativos do quanto podemos nos sentir bem - se as emoções positivas estão levando a melhor, por muito tempo e com mais intensidade do que “o devido”, nos apressamos em tomar atitudes para “nivelar” nossos níveis de satisfação interna.
Gatilhos ou “barreiras ocultas” do Problema do Limite Máximo (PLM)
Uma das frases mais marcantes do livro e que é bastante importante de lembrar é que o autor defende que o único problema que realmente precisamos resolver, na vida, é o “problema do limite máximo”. Se resolvermos esse problema, o jogo está ganho.
Para nos ajudar a identificar quando estamos nos deparando com esse tipo de problema, Hendricks apresenta algumas crenças que funcionam como gatilhos para o nosso “termostato” interno:
Os 4 gatilhos e barreiras ocultas do PLM
1) Sou fundamentalmente falho → “nunca vou conseguir”
Quando nós acreditamos que tem algo errado com a gente mesmo, de alguma forma, intrínsecamente à nossa existência, de forma indissociável do nosso ser, existe algum muito “errado” que faz com que, inevitavelmente, a gente “nunca vá da certo”.
Usei esses advérbios e adjetivo com “in[…]” destacadas pra deixar esse parágrafo seboso como realmente é esse tipo de raciocínio. Não faz sentido! Mas não é raro que a gente pense assim, certo? Ou é raro, mas acontece muito?
2) Sucesso me distancia das “minhas origens” / me faz desleal
Às vezes, podemos sentir que o fato de estarmos tendo sucesso nas coisas que nos determinamos a fazer, ou por estarmos conquistando o que buscamos, que de alguma forma estamos “traindo” nossas origens ou deixando de ser leais ao lugar de onde viemos.
Essa barreira aqui está relacionada a perguntas como: “Será que, com meu sucesso, estou quebrando alguma regra escrita ou não escrita da minha família?” e “estou decepcionando meus pais, apesar de ter conquistado e/ou estar conquistando aquilo que sempre quis?”. Com esses questionamentos, podemos refletir sobre como isso nos afeta.
Isso é uma coisa que eventualmente acontece comigo, mas acho que já consegui chegar em um acordo comigo mesmo sobre esse assunto. Para mim é importante estar em paz e reconhecer de onde venho, saber onde estou e para onde quero ir. De certa forma, ter consciência da história que estou construindo com a minha vida (mesmo que seja para ser contada somente para mim mesmo).
3) Sucesso me torna um fardo mais pesado
No livro, Hendricks conta de algumas histórias pessoais dele mesmo sobre esse assunto, pelo fato de que ele sentia que era uma fardo pra família dele pela forma como foi quando ele nasceu: o pai dele havia falecido alguns meses depois que ele foi concebido, e a mãe, desempregada, com um filho de seis anos, e agora com bebê recém chegado, entrou em depressão.
Ele narra com mais profundidade no livro sobre essa situação, mas resumindo: anos mais tarde, já adulto, ele percebeu que as culpas que ele carregava era por crimes que não tinha cometido, culpas que muitas vezes as interações dentro da própria família faziam com que ele sentisse, mas que não eram suas para levar.
O “mantra” desse item aqui, na minha tradução direta do texto do Hendricks, é o seguinte:
“Eu não posso expandir para o ponto mais alto do meu potencial porque eu passaria a ser um fardo ainda mais pesado que o que já sou agora.” 1
4) O crime de “brilhar demais”
Essa barreira aqui é explicada pelo Gay Hendricks como algo muito comum em crianças talentosas: de acordo com ele, elas recebem muita atenção dos pais, mas recebem também uma mensagem de que devem cuidar para não brilhar demais para que os outros não sejam prejudicados em seus sentimentos ou aparências.
O “mantra inconsciente” dessa barreira é descrito como:
Eu não devo expandir para a totalidade do meu sucesso, porque se eu fizesse eu iria brilhar mais do que _______________ e faria ele/a se sentir ou parecer menor. 2
No livro, Hendricks compartilha duas histórias muito interessantes e úteis para entender melhor esse conceito, mas aqui superficialmente já dá pra entender a ideia geral: é quando você deixa de explorar ou exercer o seu melhor por acreditar que isso faria outra pessoa se sentir mal ou parecer menos do que você.
As histórias do livro apresentam algumas visões diferentes de como isso pode surgir na nossa cabeça, mas eu gosto de explorar uma outra proposta também: será que não estamos tendo uma visão muito elevada de nós mesmos ou de nosso potencial, ou talvez estejamos tendo uma perspectiva de subestimar a capacidade, o potencial, e a agência da outra pessoa?
Conclusão
O que trouxe aqui é uma pequena introdução no assunto do livro, mas tentei resumir os principais pontos em relação a descrever o processo de autossabotagem com a analogia do “termostato”, e exemplificar as principais barreiras que explicam como esse “limite máximo” pode estar sendo definido na nossa mente.
Mais adiante, posso colocar em outro artigo um pouco mais sobre os gatilhos acionadores do limite máximo - algo como entender o método de acionamento da “chave de fim de curso” ou do chaveamento térmico de um termostato mecânico.
No livro, o autor também fala sobre uma certas “zonas de operação” do nosso cérebro: Zona de Incompetência, Zona de Competência, Zona de Excelência e Zona do Gênio - também assunto que dá pra explorar mais pra frente, e que é muito interessante também para o contexto geral.
Recomendo muito a leitura, e para quem chegou até aqui, espero que este pequeno texto seja útil. Até a próxima!
No original: “I can't expand to my highest potential because I'd be an even bigger burden then I am now.” Página 52 da edição impressa The Big Leap, por Gay Hendricks, edição da HarperOne, 2009.
No original: “I must not expand to my full success, because if I did I would outshine ______ and make him ou her look or feel bad.” Página 55, Idem.



